O enólogo Filipe Sevinate Pinto concedeu uma entrevista ao site da Quinta de São Sebastião, conduzida por Luís Marinho, que aqui publicamos:
FILIPE SEVINATE PINTO: UMA DÉCADA NA QUINTA DE SÃO SEBASTIÃO
Filipe Sevinate Pinto, um dos enólogos nacionais de maior prestígio, completou dez anos à frente da produção dos vinhos da Quinta de São Sebastião, sendo o principal responsável pelo seu sucesso, reconhecido com dezenas de prémios nacionais e internacionais e espalhados por mercados nos cinco continentes.
Dez anos de dedicação, recompensada com sucesso, foram o pretexto para uma conversa que aqui reproduzimos, dividida em três momentos.
Filipe Sevinate Pinto: “Os vinhos fazem-se no campo” – I
Filipe Sevinate Pinto é hoje figura destacada de uma nova geração de enólogos, responsável por um notável acréscimo de qualidade dos vinhos portugueses, acrescentando a técnica da enologia à arte do plantio da vinha.
O enólogo, responsável há dez anos pelos vinhos da Quinta de São Sebastião, não tem dúvidas sobre a necessidade de todo o processo – do plantio da vinha até à última etapa de produção do vinho – ser da sua responsabilidade direta.
“Os vinhos fazem-se no campo”, afirma.
Oriundo de uma família de agricultores de várias gerações, a escolha do curso de Agronomia, que concluiu em 2002, foi natural. Filipe Sevinate Pinto quis, de imediato, concretizar a sua opção pela enologia, na altura, ainda apenas um ramo do curso que concluíra.
“Foi um amor à primeira vista”, confessou.
A sua opção foi ganhar experiência, nunca recusando trabalho em adegas de qualquer região do país. Essa escolha veio a revelar-se frutífera.
A emancipação aconteceu dois anos depois.
A geração de Filipe Sevinate Pinto sucede a uma outra, mais industrial do que agronómica. A sua caracteriza-se pelo ascendente total na produção.
“Somos enólogos muito mais de campo, que procuramos nas uvas as formas de fazer vinhos. A geração anterior era mais de reação. Entrava uma quantidade de uvas na adega e era feita a intervenção, a correcção. A minha geração tem mais conhecimento, acompanhou um grande investimento em novas adegas, novos projectos e, acompanhando todo o processo, desde o seu início, tem menos intervenção em termos de adega, uma vez que já tudo vem devidamente planeado. Isto dá-nos uma maior tranquilidade e permite fazer coisas muito mais diversas”, afirmou.
A geração de Filipe Sevinate Pinto viveu a fase de afirmação dos vinhos portugueses e é hoje responsável pelo seu sucesso a nível internacional, o que lhe permite atualmente apostar decididamente nas castas nacionais, reforçando a identidade da vinicultura portuguesa.
ARRUDA DOS VINHOS: UMA REGIÃO TEMPERAMENTAL
A experiência de dez anos na Quinta de São Sebastião é o segundo tema desta conversa.
Filipe Sevinate Pinto considera a região de Arruda dos Vinhos um “enorme desafio”, tendo em conta o caráter “temperamental” que a define.
“Em Arruda, sinto-me em casa e o conhecimento da região veio reforçar também o meu conhecimento do país”, disse
“Uma percentagem dos vinhos QSS é produzida com uva própria, a da Quinta, a do Espojeiro e de outras parcelas que estamos a adquirir, num processo onde temos o total controlo, uma vez que seguimos todas as etapas. Depois temos a uva comprada, que surge da nossa relação com os vinicultores da região. Aqui o tipo de intervenção é diferente e depende mesmo de cada vinicultor. É um processo que tem estado em evolução”, esclareceu Filipe Sevinate Pinto.
A relação tem sido muito positiva, uma vez que se ajudou a criar um projeto de viticultura para a região.
“O agricultor precisa obviamente da indústria. A evolução ao longo destes 10 anos é notória. Há mais confiança por parte dos agricultores no investimento,há novas vinhas. A nossa relação de proximidade gerou confiança”, afirmou.
Arruda dos Vinhos é uma região atlântica, mas influenciada também pelo calor do sul, características climáticas que, para o enólogo, definem os vinhos da região.
“Cada ano é diferente do outro. Trata-se de uma região atlântica e por isso, como somos um país de mar, os nossos vinhos têm de retratar isso mesmo. A frescura do mar concilia-se aqui com o calor do sul. Esta conjugação proporciona que tenhamos vinhos com caráter e também vinhos encorpados, quentes”, acrescentou.
O sector dos vinhos em Portugal é um exemplo para muitos outros sectores. Fez-se o trabalho de casa. Houve um momento cooperativo, há cerca de 60 anos, que iniciou uma organização em termos da indústria, e depois houve um investimento dos privados, há 30 anos atrás, associado também a um investimento público, nomeadamente no conhecimento.
“Os nossos vinhos são uma bandeira para o país. Um país produtor de vinho é melhor anfitrião do que qualquer outro”, concluiu.
A ANGÚSTIA DO ENÓLOGO NO MOMENTO DA PROVA
Qual a percentagem de ciência e de arte na elaboração de um vinho?
Filipe Sevinate Pinto responde:
“O conhecimento e a ciência é que nos vão permitir ser, noutra fase, artistas. Trabalhamos com um produto natural e com uma actividade económica. Na sala de prova, nos lotes a componente artística é indissociável. São esses momentos de inspiração que fazem a diferença.
O momento da prova é o momento da decisão. A decisão de fazer lotes com volumes importantes, por exemplo. Tanto me responsabiliza fazer mil garrafas, como um lote de 200 mil. Todos os vinhos têm que dar muito prazer a beber, independentemente do seu valor. E às vezes somos mais felizes ou menos felizes nesse objetivo. Muitas vezes, basta uma pecinha de nada, de cinco por cento doutro vinho, para fazer toda a diferença. São lotes milimétricos. O segredo é saber equilibrar aquilo que vem da natureza de forma completamente desequilibrada.
Mas, o enólogo não é um alquimista”.
E acrescenta:
“Hoje temos de ser agrónomos e enólogos. Não podemos cingir-nos ao processo de transformação. Temos mesmo de alargar conhecimento. É uma nova realidade. Passamos de uma actividade de indústria para uma actividade de agricultura, cada vez mais profissionalizada, com mais conhecimento”.
Na Quinta de S. Sebastião, Filipe Sevinate Pinto trabalha directamente com o agrónomo …, responsável pela viticultura. A relação é muito fácil, uma vez que se trata de um agrónomo com conhecimento de vinhos, o que, segundo Filipe Sevinate Pinto, se revela “essencial em momentos chave, em tudo aquilo que interfere no perfil e na qualidade dos vinhos”.
“Como o processo é acompanhado desde o início, podemos sempre intervir em momentos decisivos, para conseguirmos o tipo de uva que queremos. A intervenção é feita a diversos níveis de produtividade. Por exemplo, se queremos ter um vinho de entrada de gama fácil, muito bem feito, com caráter, nunca podemos ter pouca produção.
A pouca produção introduz concentração na uva, vinhos um pouco mais difíceis, que precisam um pouco mais de tempo.
Sabemos que lidamos com a mãe natureza, temos de nos adaptar aos seus ditames, mas é fundamental procurar sempre continuidade naquilo que fazemos. Estes vinhos já são feitos na vinha. Sabemos quais os talhões onde vamos buscar os níveis de produtividade de que necessitamos para fazer determinado perfil de vinho”, concluiu.
17 de janeiro de 2022