Estreia de Glória com cobertura mediática e êxito de público

Pedro Lopes, autor do argumento de Glória

A receção do público e da crítica à estreia da série Glória, o primeiro original português na Netflix, veio ao encontro das expectativas, com a série a alcançar o primeiro lugar do top ten daquela plataforma de streaming no fim de semana de 6 e 7 deste mês e ampla cobertura na Imprensa e sites, nacionais e estrangeiros, a culminar a atenção mediática dedicada à série no período que antecedeu a exibição.

Esta atenção começou antes da estreia, recorda Pedro Lopes, Diretor Geral de Conteúdos da SP Televisão (empresa em cujo grupo se integra a SPi, produtora de Glória, que se dedica a projetos internacionais). O autor da série revela que a Netflix disponibilizou quatro episódios para visionamento a um grupo selecionado de jornalistas no âmbito internacional. Entretanto, já perto da estreia, a 5 deste mês, o autor, o realizador, Tiago Guedes e vários nomes do elenco foram respondendo a grande número de solicitações de entrevistas, dado interesse gerado em torno da série.

Referências à produção apareceram em praticamente toda a Imprensa diária e semanal e rádio, nas plataformas, como a NIT, que publicou uma extensa reportagem em que se apresenta o contexto em que a Raret, a rádio que emitiu propaganda ocidental para os países do Bloco de Leste durante a Guerra Fria atuou, entre 1951 e 1996. A agência Lusa, o jornal online Observador e o Jornal Económico, o Público e o suplemento Ipsilon também deram espaço à estreia. Outro jornal, Nascer do Sol, deu igualmente destaque de página inteira ao tema, e ainda o site Global News, a testemunhar o interesse em torno deste título e o marco que representa para a indústria portuguesa do audiovisual. Já o Jornal de Notícias referiu a data da estreia como «um dia histórico na ficção portuguesa» e entrevistou o realizador Tiago Guedes, que sublinhou a necessidade de a equipa envolvida, técnicos e atores, ter tido de se adaptar às circunstâncias, uma vez que esta produção ocorreu em plena pandemia.

O programa da SIC Notícias Leste/Oeste, com Nuno Rogeiro, por seu turno, destacou o contexto histórico do caso da Raret, apresentando bibliografia de autores norte-americanos, para os interessados numa leitura e conhecimento mais aprofundados sobre o tema.

A referência mais relevante, a nível internacional, surgiu no influente diário britânico The Guardian, incluindo a série portuguesa nas estreias da semana, por antecipação, entre os sete melhores programas nas várias plataformas de streaming e na BBC Three. Não foi o único, pois a Euronews deu conta da estreia, assim como o Courrier International, entre outros.

Do pitch à produção final

Pedro Lopes recorda como o processo que levou à produção da série começou. Este projeto teve início há cerca de quatro anos, quando a produtora e as suas criações se deram a conhecer no âmbito de uma apresentação no Festival de Berlim. No ano seguinte, foi apresentado um pitch do argumento de uma futura série. Perante o acolhimento positivo, seguiu-se a produção de um episódio-piloto.

O desenvolvimento do projeto deu-se com inteira liberdade criativa e no quadro de uma estreita relação com os interlocutores diretos na Netflix, que Pedro Lopes descreve como pessoas apaixonadas pelo que fazem, muito conhecedoras e disponíveis para os contactos, sempre que necessário. O desfecho já é conhecido e, com a estreia de Glória, a série portuguesa passou a estar acessível ao público em 193 países, dado tratar-se de um original da plataforma, que a disponibiliza a todos os seus subscritores.

Para o autor, consagrado ao longo de cerca de duas décadas como argumentista de vários géneros de ficção audiovisual, um dos aspetos mais interessantes do aparecimento da Netflix consiste na mudança de paradigma do funcionamento da distribuição internacional de conteúdos. Anteriormente, existiam intermediários, na figura dos diretores dos canais, que funcionavam como curadores das estações nos diversos países e escolhiam os conteúdos que faria sentido o público ver.

Desse cenário evoluiu-se para a situação atual, «em que se passou a ter uma grande biblioteca mundial que está disponivel para uma escolha direta do público» – salientou. Por outro lado, ao invés de promover uma identidade de marca, na qual se esbatem as identidades locais, dá-se a visibilidade, através da ficção, das produções dos diversos países que estão disponíveis na plataforma, o que redunda na aposta no local, com impacto global. Afinal, acredita Pedro Lopes, o que se pretende é sempre uma boa história, bem contada.

Outro aspeto curioso sobre a série prende-se com a forma como a história da Raret já era do conhecimento de Pedro Lopes, muito antes de a oportunidade de lhe dar tratamento em guião ficcional ter surgido. Nascido numa família ligada à Rádio, desde muito novo ouviu falar na estação emissora, pelo avô, profissional do setor e que se cruzou com Manuel Bivar (1906-1993), um histórico da Rádio em Portugal, ligado à Emissora Nacional e na RTP e que foi consultor daquela estação instalada no Ribatejo na altura da sua fundação.

Para o autor, e também para os espectadores que apenas com a série tomaram conhecimento da existência passada daquela estação de Rádio, o surpreendente é que esta instituição, cuja envergadura pode ser avaliada pela área de 200 hectares no Ribatejo em que foi instalada e pelo número de pessoas que empregou, 500, tenha existido durante 45 anos e se saiba pouco sobre ela. Algo revelador da forma como o País funcionava na época retrada na série, com os envolvidos, tais como os técnicos, desinteressados da índole do projeto e essencialmente preocupados, no que respeita ao seu vínculo à emissora, com a sua imediata subsistência.

Não obstante, a importância da rádio foi tal que Václav Havel, o primeiro presidente da República Checa e símbolo da luta contra o regime comunista, salientou a dada altura publicamente a influência das emissões radiofónicas para o Bloco de Leste e a forma como impulsionaram a mudança.

Afinal, o que cativou a Netflix em Glória? Pedro Lopes, que nasceu após o 25 de Abril e, logo, não contou uma história da sua geração, está convencido de que a série apela a diversos públicos, interessados quer na ficção histórica, na vertente de thriller de espionagem e suspense e na trama romântica, além da vertente da política do Estado Novo, com aspetos como a Censura, apelando a públicos de diversas gerações e com interesses diferentes. A ponto de suscitar o desejo de «voltar a página e ver mais».

Ao comentar o marco histórico para o Audiovisual português da estreia da série na Netflix, Pedro Lopes salienta o reconhecimento devido ao desempenho de António Parente na criação da indústria do setor em Portugal, há três décadas, e depois, desde a criação da SP Televisão, com Jorge Marecos, demonstrando uma visão e capacidade de iniciativa, e a convicção, desde os primórdios e num contexto aparentemente pouco promissor, de que «era possível sonhar em ir mais além».

9 de novembro de 2021